O aeroporto (terra batida) era muito concorrido...
(Nord)
(Nord)
(Dakota)
Helicópteros
O avião que traz os
frescos e os ansiados "aerogramas"...
Desastre aéreo.
Feridos o piloto, um soldado e dois furriéis da Companhia CCS.
Feridos o piloto, um soldado e dois furriéis da Companhia CCS.
(Reportagem do "Semana Ilustrada")
Desastre aéreo em Serpa Pinto
O último voo do bimotor
CR-LJQ – Quatro vidas por um fio
Reportagem de Adulcino Silva, Semana Ilustrada, pág. 18 a 23. (não sei a data)
A EVOLUÇÃO DOS MEIOS aeronáuticos
está hoje na escala cimeira do Espaço Português. Na verdade, só na Província
operam mais de duas centenas e meia de aviões particulares, conglobando várias
potências e marcas diversas.
E compreende-se que assim seja.
Efetivamente num território de grandes espaços vazios e onde as distâncias a
cobrir são enormes, o tempo, que nos nossos dias conta cada vez mais e vale
sempre mais dinheiro, só pode desafiar-se com o recurso da aviação.
Não deve por isso estranhar-se que,
de quando em vez, se verifiquem determinados acidentes, que aliás, nos últimos
tempos, estão a registar-se com certa assiduidade. Estar-se-á em presença da
chamada lei das percentagens: — isto é, tantos mais acidentes ocorrerão quanto
maior for o número e grau de utilização das aeronaves.
O CASO DAS TERRAS DO FIM DO MUNDO
NO DISTRITO DO CUANDO-CUBANGO, é
naturalmente inestimável o papel desempenhado pelos meios aéreos. E do acidente
que ora passamos a relatar, fica-nos uma certeza muito importante: — é a de que
há controle efetivo das unidades a voar. Com efeito, a Imprensa só muito tarde
se reportou ao acontecimento. Todavia, em Serpa Pinto, vivia-se com muita
emoção o desenrolar dos factos. E os meios de aeronáutica civil estavam
atentos, ao desaparecimento do CESSNA, havendo de colaboração com o respetivo
Governador do Distrito, Major Branco Ló, que sobrevoou o local do acidente e
acompanhou o estado dos feridos, desencadeando uma autêntica campanha de buscas
que acabou por dar, felizmente, os resultados que seriam de esperar.
DESAPARECEU UM AVIÃO!
UM CESSNA 336 DA " TASA "
tripulado por António Cabrita Sousa, natural de Albufeira (Algarve), de 45 anos
de idade, casado, brevetado há oito anos, efetuava a viagem de regresso a Serpa
Pinto, procedente do Baixo Longa.
Um temporal levantado muito
rapidamente obrigou a consecutivos desvios que não resultaram. Esgotado o
combustível, o bimotor logo principiou a perder altitude e a queda foi
inevitável.
Calmo, obedecendo a todas as regras
de navegação, só o piloto sabia, naquele momento, o que se estava a passar. Os
três passageiros ignoravam todo o drama que António Cabrita vivia.
As possibilidades de contactos-rádio,
devido ao mau tempo, não eram nenhumas.
... E o avião precipitou-se.
AS BUSCAS
ÀS SEIS HORAS DA MANHÃ do dia quatro
iniciaram-se as buscas de salvamento nelas tendo colaborado cinco aviões civis,
três da FAP e um helicóptero. Por volta das oito horas o avião desaparecido foi
localizado imobilizado, a cerca de 60 quilómetros de Serpa Pinto, por um avião
particular tripulado por João António Gonçalves Teixeira, que viu dois dos três
passageiros do bimotor CR-LJQ que procuravam socorros, tendo feito uma fogueira
com a qual foi possível conhecer a posição do avião sinistrado.
OS SOCORROS
DUAS HORAS DEPOIS DE ter sido
localizado "Cessna", uma viatura da PSP chegava ao local. Dois
agentes desta prestimosa corporação atravessaram, a nado, o rio Cuebe. Pouco
depois fizeram evacuar dois feridos.
Dado o acesso ser extremamente
difícil para salvar os dois restantes feridos foi necessária a colaboração de
um helicóptero da FAP que também teve trabalho arriscado não obstante o seu
poder de mobilidade.
Foi necessário abrir uma clareira na
mata com auxílio de um homem pendurado pela cintura e de uma serra elétrica
para cortar ramos de árvores.
Transportado de helicóptero, António
Cabrita, chegou a Serpa Pinto. O seu colega de infortúnio fora de carro. No
Hospital daquela cidade verificou-se que o piloto tinha fratura exposta na
perna esquerda, clavícula partida, pulsos feridos e várias escoriações pelo
corpo e na cabeça.
LOUVOR MERECIDO!
SEM DUVIDA QUE TODOS OS interventores
nas buscas efetuadas merecem um elogio pela sua abnegação, sangue frio e
eficiência. Também a população anónima justifica um aceno de simpatia pois pode
dizer-se que Serpa Pinto esteve toda no Hospital a aguardar o regresso dos
"desaparecidos”. Mas há, efetivamente, um louvor nosso para a colaboração
imediata do Governo do Distrito, da FAP, da PSP e os pilotos particulares que
depois de localizarem o bimotor sinistrado efetuaram, até final da operação de
salvamento, voos em círculo, constantes, sobre o local do acidente.
Esses voos tinham por objetivo não
perderem de vista o local e darem conforto moral aos feridos que, com a
presença dos aviões sobre as suas cabeças, tinham a garantia de estarem a ser
salvos.
Dado o estado de saúde do piloto
António Cabrita este veio, acompanhado de sua esposa, D. Benvinda Fonseca, para
Luanda, tendo sido internado numa Casa de Saúde, onde foi submetido a
intervenção cirúrgica.
A reportagem de "SEMANA
ILUSTRADA" procurou-o e ouviu-o no leito onde se encontra a
restabelecer-se. Ao lado, sua esposa, que simpaticamente nos acolheu.
O TETO ESTAVA COMPLETAMENTE FECHADO E NÃO TINHA POSSIBIDADES
DE REGRESSAR AO PONTO DE PARTIDA
ANTONIO CABRITA, O PILOTO que lutou
com a morte e venceu-a, fala para os feitores desta Revista. Depois de
confirmar que eram quatro os ocupantes do "Cessna—336", o nosso
interlocutor fez questão em que, por nosso intermédio, fosse dirigido um muito
obrigado ao furriel do Exército que jamais o abandonou e transportou às costas
mais de 50 metros, e que, ao serem lançadas garrafas térmicas contendo líquidos
diversos para mitigar a sede de ambos, o furriel (cujo nome ignora) apanhou uma
que caiu a cerca de 70 metros e levou-lhe para que fosse ele o primeiro a
beber. Só depois, o "furriel desconhecido" levou a garrafa à boca. Magnífico
exemplo de solidariedade!
PERGUNTAS E RESPOSTAS
— Há quanto tempo
reside em Serpa Pinto?
— Há três meses que eu
e minha mulher fomos para lá.
— Quando foi brevetado
e quantas horas de voo tem até ao momento?
— Fui brevetado em
Luanda há oito anos. Tenho mais de mil horas de voo.
— Conhece bem a rota
que seguia nesta sua última viagem?
— Perfeitamente.
— Causas do desastre?
— Foi o temporal. O "teto"
estava muito baixo e não oferecia possibilidades de perfuração pelo que tive de
obter uma alternante de 80 quilómetros da rota, próximo do Bucho, que fica
distanciado desta cidade cerca de 70 quilómetros.
— ... E qual era a
rota?
— Baixo Longa — Serpa
Pinto.
— E o tempo de voo?
— Quatro horas e meia.
— Não tinha
possibilidades de regressar ao último ponto de partida?
— Não tinha porque
estava tudo completamente fechado.
— Qual é a autonomia
da aeronave?
— Seis horas e meia.
— A que horas descolou
de Serpa Pinto?
— As oito da manha para Vila Nova da
Armada; tempo de voo: uma hora e cinco minutos; Vila Nova da Armada — M’Pupa;
tempo de voo: 50 minutos; regresso a V. Nova da Armada-Baixo Longa e Serpa
Pinto, onde não chegámos.
— A que horas se deu o
desastre?
— Cerca das 15 horas de sexta-feira.
Só fomos localizados por volta das oito horas da manhã de domingo.
— Portanto...
—- ... isso mesmo!... estivemos todo
aquele tempo ali na mata, à chuva, ao vento, com sede e fome. Passaram por nós
manadas de corpulentos animais, entre outros de menor porte, embora não menos
"sociáveis", que, felizmente, não nos viram ou não nos ligaram a
importância necessária para investir.
DEIXEI QUE A SORTE ME DESSE AS MÃOS...
— Ê evidente que teve a perceção do
que ia acontecer. Como reagiu e qual foi o comportamento dos passageiros?
— Já com os motores parados tentei
aterrar numa chana que divisei não muito longe. No entanto acabei por perde-la
porque a neblina "fechou" completamente. Deixei que a sorte me, desse
as mãos e nos ajudasse. Não larguei o "manch" do avião enquanto este
não se imobilizou totalmente. Quanto aos passageiros... mantiveram-se todos calmos.
Só mais tarde se aperceberam do acidente.
— Como aterrou?
— "Atirei" com o avião
sobre a cúpula das árvores de grande porte para amortecer a queda. Ao fim de 50
metros o bimotor estava imobilizado. Então tentei sair. Verifiquei que era
impossível fazê-lo só pelos meus próprios meios. Vi que tinha uma perna
partida, várias escoriações pelo corpo. Tentei abandonar o avião para irmos —
eu e os passageiros — para um sítio onde a nossa presença fosse mais visível
afim de facilitar as buscas mas era utopia. Não podia mexer-me. Foi então que
dois dos passageiros tomaram essa iniciativa enquanto um outro — o furriel
desconhecido — não me abandonou. E, apesar da chuva e do traumatismo
psicológico do acidente, ele ainda conseguiu levar-me às suas costas cerca de
50 metros. Mas as minhas dores já eram tantas que tivemos de ficar ali mesmo.
Após uma pausa prosseguiu:
— Pedi ao meu companheiro que fizesse
uma boa fogueira com caixas de cartão e madeira seca, que estavam no avião,
pois estava tudo molhado e não se podia atear fogo fosse ao que fosse. E a
fogueira era um meio para alertar os socorristas.
— Recorda-se a que horas chegou a
Luanda?
A esposa intervém para
retificar, uma vez que Cabrita Sousa não estava efetivamente certo desse
pormenor. É ela que nos diz: Seriam dez e meia. Pouco mais talvez, mas não
seriam ainda 11 horas.
— A que horas foi operado?
— Eram duas horas da tarde. Os
médicos não estavam na Casa de Saúde. Era domingo, dia de folga. Mas assim que
foram alertados vieram com a urgência que o caso requeria. O médico assistente
da "TASA" foi incansável. O analista também. Estou-lhes muito
reconhecido.
JÁ TENHO SAUDADES
— Quando estiver
completamente restabelecido volta a voar?
Olha-nos. Puxa um
pouco o lençol para cima e, com um sorriso nos lábios, disse:
— Se volto!... Já tenho saudades!...
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